O SONHO DO PEIXEIRO
O post do Carlos Fabião (https://www.facebook.com/carlos.fabiao.1?fref=ts) anunciando com justificado orgulho e sentido do dever cumprido, a inauguração de um Museu em Santa Clara, onde estará representado o Povoado das Mesas do Castelinho, trouxe-me à memória factos quase com 30 anos e que são de tal modo estranhos que dariam para tema de filme ou romance surrealista. O povoado das Mesas do Castelinho estava há muito referenciado pelo P. Serralheiro da Messejana, um amigo e colaborador de Abel Viana, o arqueólogo minhoto que se estabelecera em Beja nos anos 30. (http://pedrastalhas.blogspot.pt/2014/09/ser-ou-nao-ser-alentejano-participei.html) Aliás segundo novos dados referenciados pela equipa de Carlos Fabião, tudo indica que o próprio Abel Viana terá hesitado entre escavar nas Mesas do Castelinho ou no Castro da Cola, tendo finalmente decidido por este castro, que viria a ser o último grande projecto a que se dedicaria antes do seu desaparecimento em 1964 ( http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/03/senhora-da-cola-entre-janeiro-de-1993-e.html). Com efeito, duas décadas depois do desaparecimento de Abel Viana voltou a falar-se das Mesas do Castelinho e pelos piores motivos. Em plena época do Natal de 1986 (?)alguém terá alertado o Director dos Serviços Regionais de Arqueologia do Sul, na altura o Dr. Caetano Melo Beirão, de que uma retro-escavadoura andava a destruir o sítio das Mesas do Castelinho, próximo de Santa Clara de Almodôvar. Com a eficácia que lhe era conhecida, Caetano Melo Beirão, certamente acompanhado por algum dos técnicos do Serviço e de elementos da GNR, dirigiu-se ao local onde se lhe deparou um cenário desolador. Uma enorme máquina abrira uma imensa vala ao longo das plataformas cuja configuração (mesa) estará certamente na origem do topónimo. Interrompida a vandálica acção, que não fora mais grave por questões de divisão de propriedade, rapidamente se apuraram responsabilidades e motivações. O terreno revolvido fora recentemente adquirido por um peixeiro da Ericeira, habitual frequentador da região como caçador, e que "sonhara" (?!) com um tesouro escondido no local. E de facto, tal como em tantos outros locais similares, existe em Santa Clara uma conhecida lenda sobre um tesouro escondido nas Mesas do Castelinho. Interrompidas as destruições (que não tiveram outras consequencias jurídicas para o prevericador, porque o sítio não estava classificado...), o SRAZS iria tomar as primeiras medidas de salvaguarda e que no essencial, passariam pelo "ordenamento possível" do local de modo a obviar a imagem de enorme escombreira. Na falta de operacionais disponíveis em Évora, a solicitação do SRAZS avançou para o local o malogrado Carlos Jorge Ferreira, arqueólogo então no Departamento de Arqueologia do IPPC que eu dirigia e que, graças à sua grande generosidade e voluntarismo estava sempre pronto para as missões mais difíceis. Com a colaboração da Susana Correia, o Carlos Jorge procederia a uma primeira abordagem do sítio, recolhendo materiais, removendo as terras revolvidas e procedendo a um primeiro controle estratigráfico do sítio, através da limpeza e desenho de um gigantesco "corte" deixado no terreno pela loucura do peixeiro da Ericeira. (FERREIRA, Carlos Jorge, Escavações no Povoado fortificado das Mesas do Castelinho (Almodôvar) - relatório preliminar, Vipasca - Arqueologia e História, 1, Aljustrel, 1992).
Poucos anos depois (1988 ou 1989), já como responsável pelo Serviço Regional de Arqueologia do Sul, tive oportunidade de tomar uma decisão de que ainda hoje me orgulho particularmente. No momento de dar continuidade ao trabalho do Carlos Jorge e para não defraudar as esperanças entreabertas em Santa Clara relativamente a este sítio de tão grande potencial, era necessário encontrar alguém que fosse capaz de "agarrar o touro pelos cornos". E foi então que a Susana Correia sugeriu o Carlos Fabião e o Amilcar Guerra, dois nomes algo estranhos em relação á arqueologia do Alentejo, pois andavam então mais pelas bandas de Arganil (Lomba do Canho, etc...). Feita a sugestão, o convite foi transmitido e aceite rapidamente e sem grandes hesitações por aqueles arqueólogos, então de uma "nova geração"... Naturalmente nem tudo foram rosas ao longo das quase três décadas que leva o projecto. Sobretudo nos últimos anos, as falhas de apoio da parte da Administração Central também aqui se reflectiram. Mas grandes passos foram dados: extensas escavações, escola de arqueologia prática para centenas de estudantes, aquisição de terrenos pelo Estado, e finalmente a musealização de parte do sítio (em curso sob a batuta de um dos "alunos" das Mesas, o meu actual colega Samuel Melro) e a abertura de uma exposição arqueológica em Santa Clara. Um bom pretexto para um regresso urgente a terras de Almodôvar.
O Carlos Jorge Ferreira, em finais de 1986, antes dos acontecimentos referidos mas aqui acompanhado pelo Carlos Fabião e, escondido, o Amilcar Guerra, os futuros homens das Mesas do Castelinho |
O Carlos Jorge Ferreira e a Susana Correia em finais de 1986, colegas desde os tempos da Universidade do Porto e colegas no IPPC (Galeria Almada Guerreiro, SEC, Lisboa).Adenda de 28 Novembro 2016
Alguns meses antes de publicar este Post tinha aqui recordado a exposição organizada pelo Departamento de Arqueologia do IPPC em 1986 ("5 anos de Arqueologia" ver aqui), onde fui buscar as fotos acima reproduzidas. Há dias, reencontrei na Biblioteca da DRCA (que herdou a documentação do velho Serviço Regional de Arqueologia do Sul) um exemplar do "folheto" usado a quando da remontagem da referida exposição em Almodôvar (Maio de 1987). Já não tinha qualquer ideia da exposição ter estado em Almodôvar embora pense que a mesma circulou um pouco. Terá estado algures também na zona Centro (?). Neste caso iniciativa terá partido do próprio Serviço Regional de Arqueologia, então sob a direcção de Cateano de Melo Beirão, com a colaboração da autarquia, e surge no contexto da intervenção de emergência promovida na sequencia dos eventos a que este "post" se refere.
Por esses motivos, pareceu-me que seria adequado aqui deixar uma nota a essa iniciativa reproduzindo a "capa" e as palavras de introdução do Presidente da Câmara Municipal de Almodôvar na época, António Saleiro.
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