Uma visão pouco comum da Gruta do Escoural
Quando apareceu a edição portuguesa da National Geographic, (há cerca de uma década e meia?) tornei-me de imediato assinante. Conhecia há muito a edição americana e tinha mesmo vários exemplares guardados entre os meus livros, normalmente sobre temas arqueológicos. (Lembro em particular uma capa dos anos 80, com uma imagem holográfica de um Australopiteco). Hoje, por nenhuma razão em especial, já não assino a NG mas passei o interesse para a minha filha e sempre que a visito não deixo de dar uma espreitadela ao último exemplar que anda lá por casa e que ela, com o trabalho e as filhas, mal tem tempo de folhear. Há certamente variadas razões para este interesse e gosto, uma das quais, certamente, tem que ver com a tradicional qualidade da ilustração científica com fins didácticos. Daí que, foi com verdadeiro entusiasmo e expectativa que há algumas semanas recebi um email do Gonçalo Pereira (que não conhecia), o responsável da edição portuguesa, propondo ao meu serviço a ideia de concepção e publicação de uma "infografia" sobre a Gruta do Escoural. O Gonçalo visitara recentemente a Gruta como turista e concluíra que valeria a pena divulgar este sítio com características únicas na nossa Arqueologia, nas páginas da revista. Aceite a proposta e fornecidos os elementos que nos foram solicitados, foi um prazer ver nascer e desenvolver um projecto gráfico que sem pôr em causa o rigor da informação, torna acessível ao leitor comum, uma imagem bastante próxima da realidade. O resultado final está em papel nas bancas no nº de Fevereiro (o tema de capa são as "Auroras Boreais") e os mais interessados certamente ainda o poderão encontrar à venda.
A cerca de cinco quilómetros de Santiago do Escoural, no concelho de Montemor-o-Novo, localiza-se a gruta do Escoural, um dos santuários mais exuberantes da arte parietal pré-histórica em Portugal. Foi descoberta acidentalmente em 1963 e acompanhou as próprias vicissitudes do estudo arqueológico em Portugal. Estudada em início de carreira pelo arqueólogo Farinha dos Santos, que se ocupou da escavação da necrópole neolítica no seu interior, despertou em 1965 o interesse do abade Glory, estudioso de Lascaux, que publicou em França um estudo notável, apesar de apenas ter estado três dias na região. Um projecto de documentação foi travado pela morte de Glory em 1966 e, apesar de descobertas pontuais de novos signos, a gruta só voltou a ser investigada após 1977, quando Farinha dos Santos, Jorge Pinho Monteiro e Mário Varela Gomes conduziram trabalhos no local, incluindo escavações num povoado da Idade do Cobre existente sobre a gruta, permitindo a descoberta de um conjunto de gravuras datadas do Neolítico. João Luís Cardoso, entretanto, estudou a fauna paleontológica que ocupou a cavidade, encontrando vestígios de hiena e leão-das-cavernas. Após 1989, António Carlos Silva, M. Otte e Ana Cristina Araújo dirigiram novos trabalhos de escavação, confirmando uma primitiva ocupação do local pelo homem de Neanderthal e identificando novas expressões artísticas. O último trabalho de fôlego no Escoural não foi científico: a requalificação do espaço pelo arquitecto Nuno Simões, há muito necessária, melhorou as condições de visita desta câmara de acesso ao Paleolítico Superior e ao epipaleolítico. A investigação, entretanto, tem novas fronteiras: conseguirá a tecnologia no futuro datar com mais precisão o impressionante conjunto artístico do Escoural?
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