Algumas notas para a história da aplicação dos GIS à Arqueologia, em Portugal
à memória da Arquitecta Helena Rua
O anúncio no FACEBOOK de um workshop a realizar na Amadora,
mais concretamente no Núcleo Museográfico do Casal da Falagueira, versando os “sistemas
de Informação Geográfica aplicados à Arqueologia” (http://www.cm-amadora.pt/noticias-cultura/1456-28-de-fevereiro-workshop-sobre-sig#.VNkqX9eOvGg.facebook)
foi o “clique” para memórias várias, já com alguns anos. Primeiro porque
afinal a Amadora, é a minha segunda terra. Depois porque, desde cedo as
questões de cartografia arqueológica me interessaram, tendo até, por mero
acaso, protagonizado um dos primeiros casos de aplicação do GPS (hoje tão
vulgarizado) à Arqueologia. Finalmente, porque este anúncio, quase coincidiu
com a inesperada e funesta notícia do desaparecimento da Arquitecta Helena Rua,
uma das primeiras investigadoras a aprofundar em Portugal as potencialidades dos
GIS (Sistemas de Informação Geográfica) nas suas aplicações à Arqueologia, tema
que desenvolveu na sua tese de Doutoramento: Os
Sistemas de Informação Geográfica na Detecção de Villae em Meio Rural no
Portugal Romano: Um Modelo Preditivo, defendida em 2004 no Instituto Superior Técnico, onde lecionava.
De facto em 1993, no
âmbito de um projecto de cartografia arqueológica que levava a cabo na zona de
Arraiolos com o José Perdigão, por sugestão do Prof. António Lamas, meu antigo Presidente
no IPPC e na altura Professor no Instituto Superior Técnico, tive ocasião de ter a colaboração no terreno
de uma pequena equipa de estudantes daquele Instituto, orientados pelos Engenheiros
Geógrafos João Matos e Miguel Baio. Durante alguns dias procedemos ao
posicionamento de algumas dezenas de sítios arqueológicos, com recurso ao GPS, para mim então uma novidade.
Estávamos numa altura em que estes equipamentos eram ainda raros e caríssimos e
cujo correcto uso, implicava o domínio de informação e meios técnicos pouco acessíveis,
nomeadamente aos arqueólogos, oriundos do mundo das humanidades. Basta lembrar
que para se obter um pocisionamento exacto (com erro de poucos centímetros), em
tempo real, era necessário trabalhar com duas antenas, uma das quais deveria
estar posicionada sobre um local de coordenadas conhecidas (normalmente um
marco geodésico). Desse trabalho resultou uma apresentação em congresso, no que
possivelmente será um dos primeiros trabalhos de aplicação arqueológica do GPS
em Portugal. (Posicionamento de Sítios de Interesse
Arqueológico com GPS- J.L.Matos; A.C.Silva; M.Baio Dias;J.Perdigão- Encontro
de Utilizadores de Sistemas de Informação Geográfica Estoril, 1993). Ainda
neste novo domínio, no âmbito das minhas funções no antigo IPPAR, tive pouco depois
oportunidade de colaborar com o Prof. Ribeiro da Costa, da Universidade Nova,
nos primeiros passos do que viria a ser o ENDOVÉLICO, posteriormente
desenvolvido no IPA e hoje continuado na DGPC, como a grande e indispensável
base de dados georeferenciados da Arqueologia portuguesa. Mas seria no projecto
do Alqueva que viria na prática e em concreto, a recorrer a estes novos meios
de gestão da informação georeferenciada, ainda que essencialmente numa
perspectiva preventiva e não “preditiva” (Aplicação dos SIGs à
minimização dos Impactes Arqueológicos- a experiência de Alqueva, Actas do
3º Congresso de Arqueologia Peninsular, António C. Silva e José Perdigão,
Porto, ADECAP, V. X, p.151-174).
Os equipamentos usados em Arraiolos, nos trabalhos de campo de 1993 (o receptor e as antenas, devidamente posicionadas) |
É em tudo isto que o nome da Helena Rua surge, ainda que
quase não nos conhecêssemos. Era casada com o Arquitecto Pedro Fialho, falecido
professor da Faculdade de Arquitectura de Lisboa, e com quem muito privei, quer
a quando das suas participações nos trabalhos de estudo do Templo Romano de
Évora dirigidos por Theodor Haushild, quer finalmente como membro da comissão
científica que entre 1997 e 2002, acompanhou todos os trabalhos de salvamento
arqueológico que através da EDIA coordenei no Alqueva. Não tive pois
oportunidade de conhecer do mesmo modo a Helena Rua, mas quando através do
texto de homenagem do José d’Encarnação (que aqui deixo com a devida vénia),
soube do tema da sua dissertação, acabei por recordar um já antigo encontro.
Ela, certamente já no âmbito dos trabalhos preparatórios da sua tese, ter-me-á procurado
para obter dados sobre a minha experiência de GIS no Alqueva. Não posso já
precisar a data, mas foi certamente depois de 1998, porque me ofereceu um
exemplar da sua tradução dos Dez livros
de Arquitectura de Vitrúvio, publicado naquele ano e que guardo entre os
meus livros. Por fim, completando a lista de coincidências, tenho que recordar
que a Arquitecta Helena era Professora no Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura
do Técnico e colega dos Engenheiros que há quase um quarto de século, me
introduziram neste mundo dos sistemas de informação geográfica que ela tão bem viria a explorar.
Os trabalhos de 1993 em Arraiolos, no terreno e no Gabinete |
In memoriam da Arquitecta Helena Rua
José d’Encarnação
Maria Helena Neves
Pereira Ramalho Rua nasceu a 5 de Dezembro de 1963. A morte colheu-a,
pois, com apenas 51 anos, ontem, 3 de Fevereiro, em Oeiras (onde residia), na
sequência de uma doença que a atormentava mas que fez questão em guardar para
si, nem sequer a revelando ao filho, André, a quem apresentamos os nossos mais sentidos
pêsames.
Professora auxiliar, desde 6 de Outubro
de 2009, no Instituto Superior Técnico (Secção de Arquitectura - Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura
e Georrecursos), aí leccionava Modelação Geométrica e Visualização de
Edifícios, Geometria Descritiva e Harmonização. Chegou a
publicar Os Dez
Livros de Arquitectura de Vitrúvio (Dezembro
de 1998).
Entusiástica
colaboradora nas campanhas de escavação de Freiria, inclusive como membro da Associação
Cultural de Cascais, nesse sítio arqueológico (cujo estudo muito lhe deve) integrou
a equipa de arquitectos que, sob orientação de seu marido, o Arquitecto Pedro Fialho,
também ele já falecido, procedeu ao minucioso levantamento das estruturas e ao
desenho meticuloso das fases da escavação.
Foi
a partir daí que se interessou vivamente pela aplicação à Arqueologia de modelos
informáticos com vista à reconstituição de edifícios, nomeadamente
arqueológicos, tendo chegado mesmo a conceber, com um dos seus colaboradores (Pedro
Alvito), um jogo de ‘visita’ à villa romana de Feriria, sobre que
viriam a fazer, em Marco de 2009,
a comunicação «Reliving
the Past: 3D models and Virtual Reality as Supporting Tools for Archaeology and
the Reconstruction of Cultural Heritage: The Case Study of the Roman Villa of
Freiria», na 37th CAA2009 Annual Conference Computer Applications
and Quantitative Methods in Archaeology, Making History Interactive, em Williamsburg.
Aliás,
a dissertação de doutoramento, que defendeu
em Outubro de 2004, também versara sobre esse tema: Os Sistemas de Informação Geográfica na Detecção de
Villae em Meio Rural no Portugal Romano: Um Modelo Preditivo. Assim como um dos seus mais recentes artigos: «Detecção
automática de villæ em meio rural no
Portugal Romano», Al-madan, II Série (nº15), Dezembro de
2007, p. 21-27.
As
comemorações do centenário das Linhas de Vedras levaram-na a interessar-se pela
sua problemática, sobre elas tendo elaborado alguns inovadores estudos dados a
conhecer em comunicações e em artigos publicados em revistas portuguesas e estrangeiras,
como é o caso de «Assessment
of the Lines of Torres Vedras defensive system with visibility analysis»,
publicado no Journal of Archaeological Science, 40(4), Abril de 2013, p. 2113-2123, ou de «Modelação
geográfica da permeabilidade do sistema defensivo das Linhas de Torres»,
comunicação apresentada ao I Encontro
sobre Arqueologia e Museologia das Guerras Napoleónicas em Portugal, (Loures, Setembro
de 2014).
Deixa-nos
Helena Rua quando ainda muito havia a esperar do seu magistério e dinamismo.
Recordá-la-emos sempre como a amiga bem disposta e disponível, irradiando
alegria.
Que
descanse em paz!
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