quarta-feira, 11 de fevereiro de 2015


Algumas notas para a história da aplicação dos GIS à Arqueologia, em Portugal

à memória da Arquitecta Helena Rua

O anúncio no FACEBOOK de um workshop a realizar na Amadora, mais concretamente no Núcleo Museográfico do Casal da Falagueira, versando os “sistemas de Informação Geográfica aplicados à Arqueologia”  (http://www.cm-amadora.pt/noticias-cultura/1456-28-de-fevereiro-workshop-sobre-sig#.VNkqX9eOvGg.facebook) foi o “clique” para memórias várias, já com alguns anos. Primeiro porque afinal a Amadora, é a minha segunda terra. Depois porque, desde cedo as questões de cartografia arqueológica me interessaram, tendo até, por mero acaso, protagonizado um dos primeiros casos de aplicação do GPS (hoje tão vulgarizado) à Arqueologia. Finalmente, porque este anúncio, quase coincidiu com a inesperada e funesta notícia do desaparecimento da Arquitecta Helena Rua, uma das primeiras investigadoras a aprofundar em Portugal as potencialidades dos GIS (Sistemas de Informação Geográfica) nas suas aplicações à Arqueologia, tema que desenvolveu na sua tese de Doutoramento: Os Sistemas de Informação Geográfica na Detecção de Villae em Meio Rural no Portugal Romano: Um Modelo Preditivo, defendida em 2004 no Instituto Superior Técnico, onde lecionava.

De facto em 1993, no âmbito de um projecto de cartografia arqueológica que levava a cabo na zona de Arraiolos com o José Perdigão, por sugestão do Prof. António Lamas, meu antigo Presidente no IPPC e na altura Professor no Instituto Superior Técnico,  tive ocasião de ter a colaboração no terreno de uma pequena equipa de estudantes daquele Instituto, orientados pelos Engenheiros Geógrafos João Matos e Miguel Baio. Durante alguns dias procedemos ao posicionamento de algumas dezenas de sítios arqueológicos, com recurso ao GPS, para mim então uma novidade. Estávamos numa altura em que estes equipamentos eram ainda raros e caríssimos e cujo correcto uso, implicava o domínio de informação e meios técnicos pouco acessíveis, nomeadamente aos arqueólogos, oriundos do mundo das humanidades. Basta lembrar que para se obter um pocisionamento exacto (com erro de poucos centímetros), em tempo real, era necessário trabalhar com duas antenas, uma das quais deveria estar posicionada sobre um local de coordenadas conhecidas (normalmente um marco geodésico). Desse trabalho resultou uma apresentação em congresso, no que possivelmente será um dos primeiros trabalhos de aplicação arqueológica do GPS em Portugal. (Posicionamento de Sítios de Interesse Arqueológico com GPS- J.L.Matos; A.C.Silva; M.Baio Dias;J.Perdigão- Encontro de Utilizadores de Sistemas de Informação Geográfica Estoril, 1993). Ainda neste novo domínio, no âmbito das minhas funções no antigo IPPAR, tive pouco depois oportunidade de colaborar com o Prof. Ribeiro da Costa, da Universidade Nova, nos primeiros passos do que viria a ser o ENDOVÉLICO, posteriormente desenvolvido no IPA e hoje continuado na DGPC, como a grande e indispensável base de dados georeferenciados da Arqueologia portuguesa. Mas seria no projecto do Alqueva que viria na prática e em concreto, a recorrer a estes novos meios de gestão da informação georeferenciada, ainda que essencialmente numa perspectiva preventiva e não “preditiva” (Aplicação dos SIGs à minimização dos Impactes Arqueológicos- a experiência de Alqueva, Actas do 3º Congresso de Arqueologia Peninsular, António C. Silva e José Perdigão, Porto, ADECAP, V. X, p.151-174).


Os equipamentos usados em Arraiolos, nos trabalhos de campo de 1993 (o receptor e as antenas, devidamente posicionadas)

É em tudo isto que o nome da Helena Rua surge, ainda que quase não nos conhecêssemos. Era casada com o Arquitecto Pedro Fialho, falecido professor da Faculdade de Arquitectura de Lisboa, e com quem muito privei, quer a quando das suas participações nos trabalhos de estudo do Templo Romano de Évora dirigidos por Theodor Haushild, quer finalmente como membro da comissão científica que entre 1997 e 2002, acompanhou todos os trabalhos de salvamento arqueológico que através da EDIA coordenei no Alqueva. Não tive pois oportunidade de conhecer do mesmo modo a Helena Rua, mas quando através do texto de homenagem do José d’Encarnação (que aqui deixo com a devida vénia), soube do tema da sua dissertação, acabei por recordar um já antigo encontro. Ela, certamente já no âmbito dos trabalhos preparatórios da sua tese, ter-me-á procurado para obter dados sobre a minha experiência de GIS no Alqueva. Não posso já precisar a data, mas foi certamente depois de 1998, porque me ofereceu um exemplar da sua tradução dos Dez livros de Arquitectura de Vitrúvio, publicado naquele ano e que guardo entre os meus livros. Por fim, completando a lista de coincidências, tenho que recordar que a Arquitecta Helena era Professora no Departamento de Engenharia Civil e Arquitectura do Técnico e colega dos Engenheiros que há quase um quarto de século, me introduziram neste mundo dos sistemas de informação geográfica que ela tão bem viria a explorar.




Os trabalhos de 1993 em Arraiolos, no terreno e no Gabinete



In memoriam da Arquitecta Helena Rua 

José d’Encarnação

                Maria Helena Neves Pereira Ramalho Rua nasceu a 5 de Dezembro de 1963. A morte colheu-a, pois, com apenas 51 anos, ontem, 3 de Fevereiro, em Oeiras (onde residia), na sequência de uma doença que a atormentava mas que fez questão em guardar para si, nem sequer a revelando ao filho, André, a quem apresentamos os nossos mais sentidos pêsames.
                Professora auxiliar, desde 6 de Outubro de 2009, no Instituto Superior Técnico (Secção de Arquitectura - Departamento de Engenharia Civil, Arquitectura e Georrecursos), aí leccionava Modelação Geométrica e Visualização de Edifícios,  Geometria Descritiva e Harmonização. Chegou a publicar Os Dez Livros de Arquitectura de Vitrúvio (Dezembro de 1998).
                Entusiástica colaboradora nas campanhas de escavação de Freiria, inclusive como membro da Associação Cultural de Cascais, nesse sítio arqueológico (cujo estudo muito lhe deve) integrou a equipa de arquitectos que, sob orientação de seu marido, o Arquitecto Pedro Fialho, também ele já falecido, procedeu ao minucioso levantamento das estruturas e ao desenho meticuloso das fases da escavação.
                Foi a partir daí que se interessou vivamente pela aplicação à Arqueologia de modelos informáticos com vista à reconstituição de edifícios, nomeadamente arqueológicos, tendo chegado mesmo a conceber, com um dos seus colaboradores (Pedro Alvito), um jogo de ‘visita’ à villa romana de Feriria, sobre que viriam a fazer, em Marco de 2009, a comunicação «Reliving the Past: 3D models and Virtual Reality as Supporting Tools for Archaeology and the Reconstruction of Cultural Heritage: The Case Study of the Roman Villa of Freiria», na 37th CAA2009 Annual Conference Computer Applications and Quantitative Methods in Archaeology, Making History Interactive, em Williamsburg.
                Aliás, a dissertação de doutoramento, que defendeu em Outubro de 2004, também versara sobre esse tema: Os Sistemas de Informação Geográfica na Detecção de Villae em Meio Rural no Portugal Romano: Um Modelo Preditivo. Assim como um dos seus mais recentes artigos: «Detecção automática de villæ em meio rural no Portugal Romano», Al-madan, II Série (nº15), Dezembro de 2007, p. 21-27.
                As comemorações do centenário das Linhas de Vedras levaram-na a interessar-se pela sua problemática, sobre elas tendo elaborado alguns inovadores estudos dados a conhecer em comunicações e em artigos publicados em revistas portuguesas e estrangeiras, como é o caso de «Assessment of the Lines of Torres Vedras defensive system with visibility analysis», publicado no Journal of Archaeological Science, 40(4), Abril de 2013, p. 2113-2123, ou de «Modelação geográfica da permeabilidade do sistema defensivo das Linhas de Torres», comunicação apresentada ao I Encontro sobre Arqueologia e Museologia das Guerras Napoleónicas em Portugal, (Loures, Setembro de  2014).
                Deixa-nos Helena Rua quando ainda muito havia a esperar do seu magistério e dinamismo. Recordá-la-emos sempre como a amiga bem disposta e disponível, irradiando alegria.
                Que descanse em paz!

                                                                                                                             

Sem comentários:

Enviar um comentário