segunda-feira, 20 de março de 2017

Arqueologia Urbana


A propósito da próxima realização de um Congresso Internacional em Mérida sobre Arqueologia Urbana nas cidades da Hispania Romana, o meu companheiro e amigo Francisco Sande Lemos (um dos pioneiros desta vertente tão específica da Arqueologia) recordou no Facebook a 1º Encontro Nacional de Arqueologia Urbana, realizado em Maio de 1985 em Setúbal.


Conforme consta da "nota prévia" editada com as respectivas actas publicadas em 1986 pelo Departamento de Arqueologia do IPPC (que eu então dirigia), o encontro foi organizado pelo Museu de Arqueologia e Etnografia de Setúbal, entidade que mantinha à época naquela cidade várias frentes de trabalhos arqueológicos, condicionados pelas premências de obras públicas ou privadas. Escusado será recordar, conforme se pode confirmar pela leitura das conclusões então aprovadas, que estas intervenções do Museu de Setúbal, como aliás acontecia então noutras (poucas) cidades portuguesas, decorriam quase exclusivamente da motivação cultural e científica dos arqueólogos intervenientes e, na melhor das hipóteses, de alguma boa vontade das entidades promotoras de obras e projectos públicos ou privados. Recordamos os casos de Tomar (onde escavava a Salete da Ponte), Almada (Centro de Arqueologia de Almada), Cascais (Guilherme Cardoso) ou Silves (Mário e Rosa Varela Gomes), para citarmos apenas os que apresentaram então resultados em Setúbal.



Nota prévia e conclusões do I Encontro de Arqueologia Urbana, Setúbal, 1985 (edição DA do IPPC, 1986)

A única excepção a este modelo extremamente precário, acontecia na cidade de Braga. Aí, a incontrolada expansão urbanística para zonas onde eram conhecidas importantes ruínas de Bracara Augusta, obrigara finalmente o Estado a intervir, graças também à forte pressão pública enquadrada pelo associativismo cultural emergente com o 25 de Abril. Em 1976, seria publicada legislação específica de salvaguarda e instituído o Campo Arqueológico de Bracara Augusta, enquadrado pela Universidade do Minho. Sobre o papel desta estrutura, dirigida inicialmente pelo Francisco Alves, quer para o conhecimento e salvaguarda dos vestígios romanos de Braga, quer para a transformação da própria arqueologia portuguesa a partir dos anos 80, já nos referimos várias vezes neste blog (por exemplo aqui, a propósito do Museu D.Diogo de Sousa ; ou aqui, Bracara Augusta revisitada ). Naturalmente, a intervenção em Setúbal de Alexandra Gaspar, Francisco Sande Lemos e Manuela Delgado, fazendo um balanço de quase uma década de arqueologia urbana em Braga, uma situação única a nível nacional, representou um dos momentos marcantes do Encontro. Aliás. esta reconhecida liderança destacada de Braga, faria com que um novo encontro sobre esta temática arqueológica, que teve lugar uma década depois, se viesse a realizar em Braga.





Não é pois, por acaso, que de entre as poucas intervenções de arqueologia urbana portuguesas programadas para o congresso de Mérida que terá lugar esta semana em Mérida, se destaque de novo a experiência de Braga. Manuela Martins, que após a frequência da Faculdade de Letras de Lisboa e a sua participação de campo na arqueologia do Vale do Tejo (como tantos de nós das gerações universitárias dos anos 70) faria posteriormente o seu "tirocínio" e, afinal, toda a carreira como arqueóloga no Campo Arqueológico de Bracara Augusta e na Universidade do Minho, irá apresentar em Mérida uma comunicação sobre a "Colina do Alto da Cividade", na sessão intitulada "Projectos integrais consolidados".

Merece também destaque no programa de Mérida, a intervenção de Lídia Fernandes, sobre o "Teatro romano de Olissipo", com o subtítulo de "Consolidação de um projecto de Arqueologia Urbana". A este propósito e regressando de novo ao Encontro de Setúbal de há três décadas atrás, recordamos que a arqueologia urbana de Lisboa, esteve então ainda representada por Irisalva Moita (1924-209) e Ana Cristina Leite, que ali fizeram um balanço dos conhecimentos sobre o passado arqueológico da cidade, muito limitados e condicionados pela coincidência absoluta do seu núcleo antigo com a cidade actual (situação muito diversa da de Braga, por exemplo). Irisalva Moita como já aqui recordámos ( ver aqui ) , com as suas escavações dos anos 60 do século passado na Praça da Figueira e no Teatro Romano, ficará como a pioneira da arqueologia urbana em Portugal, tendo honrado o encontro de Setúbal com a sua presença e o seu nome. Naturalmente, não faltou à chamada de Setúbal, o projecto de intervenção na "Casa dos Bicos" que, como é geralmente reconhecido, trouxe de novo no início dos anos 80, o interesse da Arqueologia pelo subsolo urbano de Lisboa . Quer o contexto geral da intervenção da Arqueologia no projecto de recuperação do emblemático edifício do Campo das Cebolas ("mais consentida do que desejada", porque afinal, a recuperação se enquadrava na XVII exposição europeia de Cultura...), quer sobretudo as difíceis condições operacionais e logísticas em que os arqueólogos, coordenados pelo Clementino Amaro, tiveram de intervir na obra, são bem destacadas no artigo publicado nas Actas de 1986. Felizmente a arqueologia urbana em Lisboa evoluíu desde então de forma extraordinária (também nos aspectos logístico-operacionais) e a cidade, nomeadamente o seu centro histórico conta hoje com várias "janelas museológicas" sobre o seu passado mais remoto, destacando-se para além do Museu e ruínas do Teatro Romano, o renovado núcleo arqueológico da Casa dos Bicos, as Ruínas romanas da Rua da Prata (Fundação Millenium), a zona arqueológica do Castelo, etc...esperando-se que no anunciado projecto de recuperação do Claustro da Sé, também venha a ser considerada a musealização, pelo menos parcial, das estruturas aí escavadas durante largos anos.









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