segunda-feira, 2 de janeiro de 2017


Memórias californianas






Há uns meses atrás, por ocasião da evocação do 15º aniversário da destruição das Torres Gémeas, recordei neste blogue a minha passagem por Nova York em Fevereiro de 1991, já lá vai mais de um quarto de século. ver aqui esse texto

Ao procurar as fotos dessa primeira viagem aos Estados Unidos (onde voltaria apenas mais uma vez em 2000, para participar num colóquio na Universidade da Flórida  ver aqui ) reencontrei a documentação do motivo principal dessa viagem: a participação num curso do Getty Conservation Institut, sobre salvaguarda e gestão de sítios com Arte Rupestre (Rock Art Site Protection And Management). Data dessa mesma época o meu envolvimento nos projectos de estudo e valorização da Gruta do Escoural, pelo que não foi difícil convencer a Direção do IPPC do interesse na minha participação no curso em causa, promovido por uma instituição que, apesar de muito jovem na época (o GCI fora criado em 1985), começava já a ser uma referencia nos meios da "Conservação e Restauro", até então dominada pelos italianos. Aliás, por essa razão, a sede do ICCROM (International Centre for the Study of the Preservation and Restoration of Cultural Property, organismo especializado da UNESCO nestas matérias) estava localizada em Roma desde a sua fundação nos anos 50. A maior dificuldade para a viagem, porém, residia na circunstancia da sede do GCY estar localizada na Califórnia, mais precisamente em Marina del Rey, Santa Mónica, o que implicava custos acrescidos. A concretização da viagem viria finalmente a ser facilitada por uma conjugação favorável de circunstancias. O IPPC dispensava-me do serviço (equiparação a bolseiro), a Fundação Luso-Americana atribuía-me um subsídio para a estadia e as viagens aéreas seriam pagas através uma bolsa da "Fundação Fulbright". Naturalmente, o apoio da FLA foi decisivo neste processo, já que os meus antecedentes "político-ideológicos" não se inscreveriam porventura, nos perfis preferenciais, quer da Fulbright quer da própria Embaixada Americana, que acabou por me conceder, ao solicitar o obrigatório "Visto", um "visto perpétuo"!!!

Assim, depois de um fim de semana turístico-cultural muito intenso em Nova York e de que destaco as visitas aos dois grandes museus vizinhos do Central Park (Natural History e Metropolitan of Art), voei directamente para Los Angeles a 24 de Fevereiro de 1991 e instalei-me num pequeno motel de Marina del Rey, próximo da antiga sede do GCY. No dia seguinte, até porque a distância era relativamente curta (cerca de um quilómetro) resolvi ir a pé para o GCY, o que acabou por ser uma experiência inesperada. Na Califórnia só anda (va) a pé quem faz "jogging" ou quem é tão pobre que nem tem dinheiro para os transportes públicos... Senti-me pois alvo de alguma curiosidade automobilística durante o matinal e curto passeio, situação que não se repetiria nos outros dias graças às boleias automobilísticas dos colegas americanos instalados em hotéis próximos.




A antiga sede do GCY, em Marina del Rey e a actual em fotos da revista "Conservation Perspectives", publicada em 2015 por ocasião do 30º aniversário. Em baixo, como a recordo em foto pessoal de Fevereiro de 1991



A experiência do curso propriamente dito (uma semana de trabalho intenso, por um grupo reduzido, de cerca de 20 elementos, entre formandos e formadores e em que eu era o único europeu) viria a ser muito enriquecedora. Não apenas pela informação adquirida, que não era para mim totalmente nova, (mantivera contactos anteriores com o ICCROM, tendo mesmo participado num importante seminário que tivera lugar anos antes em Chipre, coordenado por Nicholas Stanley Price, um britânico que poucos anos depois se mudaria do ICCROM para o GCY) mas sobretudo pelo contacto com novas formas de organização e de métodos de trabalho que viriam a ser importantes para a minha carreira posterior, pese embora a diferença de meios ao dispôr e de mentalidades. Neste aspecto foi para mim uma surpresa inesperada, a simpatia e descontraída maneira de estar dos colegas americanos, tão ao contrário da imagem estereotipada do "americano médio"... mas a que, neste caso, não devia ser alheia a sua elevada formação universitária.


Sessões de trabalho. Em baixo, uma pouco ortodoxa mas muito "americana" apresentação de "trabalho de grupo", tipo "Rap", o estilo musical que estava então no auge... (?)
De entre os "formadores", destaco Sharon Sullivan, à época membro destacada da Comissão de Património Australiana, e especialista na gestão dos numerosos e importantes sítios de arte rupestre australianos. Aliás, de Sharon Sullivan, hoje aposentada, recordo uma conversa cujos contornos e contexto já tenho dificuldade em precisar com rigor. Ao saber que eu era português, Sharon falou-me de uma viagem a Portugal com uma irmã, viúva recente, em busca das raízes portuguesas do falecido marido. Pelas referencias que me deu, essas origens seriam de uma pequena aldeia da Serra d'Aire (Mata?), próxima de Fátima. Afinal da mesma região onde nasci e de onde é oriunda toda a minha família. Esta conversa, tida algures em Santa Mónica, num restaurante californiano, com uma arqueóloga australiana, ainda hoje me parece estranha, como que uma enganadora partida da minha própria mente.

Sharon Sullivan, ao centro, numa das suas intervenções

Outras circunstâncias ocasionais e inesperadas porém, fazem ainda hoje desta viagem, uma experiência pessoal inolvidável. Uma visita de trabalho a um "santuário rupestre" californiano (Mockingbird Canyon, Riveside) orientada por Cindi Alvitri, antropóloga e membro das tribos Tongua e Cahuilla ainda ligadas misticamente a este sítio, dar-nos-ia tema para um trabalho de grupo: a preparação de um plano de gestão de acordo com a metodologia discutida e aprendida no curso.

A abordagem da salvaguarda e valorização de um sítio arqueológico, segundo o modelo trabalhado no curso do GCY de 1991
A antropóloga Cindi Alvitri, nos preparativos (purificação pelo fumo) para a visita a Mocking bird Canyon




Arte rupestre em Mockingbird Canyon. Destaque para as "covinhas" tão presentes nas nossas próprias tradições culturais, desde o "megalitismo", até aos nossos dias

Por fim a possibilidade de viajar de carro entre Santa Mónica e São Francisco, viria a fechar com chave de ouro esta viagem. Tinha previsto, retornar a Nova York via São Francisco, pois parecia-me imperdoável estar tão perto da "mais europeia" (?) cidade americana e não a visitar. Tinha bilhete de avião para esse efeito (graças também a um programa da "saudosa TWA" que por um pequeno acréscimo à viagem Lisboa-Nova York, permitia fazer mais 3 voos internos nos EUA).  Mas a proposta duma colega do curso, Sisel Millerstrom, uma hospedeira aposentada da "Panamerica" de origem sueca e, por razões de casamento, residente em Berkeley, junto a São Francisco, era irrecusável. Fazer por estrada (Nacional 101) sempre que possível ao longo da costa do Pacífico, os mais de700 km que nos separavam de São Francisco, passando por Santa Bárbara, Malibou, Santa Maria, São Luis o Bispo, e outras localidades californianas, conservando vestígios das antigas "missões católicas", memórias da colonização espanhola da região.



O Toyota que nos levou de Santa Mónica a São Francisco



Uma paragem a caminho de São Francsico, julgo que em Santa Bárbara


Ruínas de mais uma "missão" espanhola, construídas com a matéria prima mais à mão, a taipa.


O motel de Marina del Rey









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