ALMENDRES
A inexplicável situação do "Stonhehenge português"
Face à continuada ausência de qualquer tipo de gestão ou controle de visitas ao Cromeleque dos Almendres, uma situação que não é de agora mas que se tem vindo a agravar nos últimos anos face ao aumento exponencial de visitantes, a Assembleia da União de Freguesias da Tourega e de Guadalupe, aprovou ontem dia 11 de Dezembro uma Moção manifestando a sua preocupação face à "inexplicável" situação em que se encontra este monumento nacional.
Apesar de protegido por "lei", a sua localização em propriedade privada, parece (?) impedir as entidades de tutela (nacionais ou regionais) de intervir. Por outro lado, os proprietários, embora não impeçam as visitas, lavam as mãos da sua salvaguarda, embora tal atitude também possa um dia vir a prejudicar os seus interesses.
Neste contexto o executivo da Junta de Freguesia, ainda que tal não seja propriamente da sua competencia, não quis deixar de assumir a sua quota de responsabilidade no processo e resolveu propor aos proprietários, um modelo de gestão que permitiria ultrapassar o absurdo da presente situação.
Infelizmente, não foi possível chegar a acordo e o monumento continuará, até ver, entregue ao seu "destino" até que um dia algum acidente grave aconteça que ponha em causa um legado que, ao contrário do que seria de supôr como "nacional", parece afinal estar refém dos interesses de alguns.
Para que se possa ter uma percepção global do problema em causa, e para registo futuro, aqui se transcrevem alguns documentos: a proposta apresentada aos proprietários pela Junta de Freguesia; a Moção aprovada na Assembleia, e por fim, a Nota de Imprensa distribuída pela Junta.
Proposta aprovada em reunião do executivo da União de
Freguesias, de 22 de Março de 2016, a ser presente à Sociedade Agrícola dos
Almendres
CROMELEQUE DOS ALMENDRES
Monumento Nacional (MN)-
Decreto n.º 4/2015, DR, 1.ª série, n.º 44, de 4-03-2015
O Cromeleque dos Almendres, reclassificado recentemente como
MONUMENTO NACIONAL, é hoje um sítio arqueológico emblemático, referenciado por
todos os guias turísticos e local quase de visita obrigatória para os muito
milhares de visitantes que regularmente procuram Évora enquanto cidade e região
de cultura, classificada pela UNESCO em 1986 como “Património da Humanidade”.
Localizado em propriedade privada
(Herdade dos Almendres- Sociedade
Agrícola dos Almendres) este recinto megalítico foi recuperado arqueologicamente
por iniciativa do município de Évora nos anos 80, numa altura em que a
propriedade estava intervencionada no âmbito da Reforma Agrária. Data da mesma
época a requalificação do estradão de acesso.
Após a aquisição da Herdade pelos
actuais proprietários (1997) e com o seu acordo, a Câmara Municipal procedeu a
uma correção do traçado do estradão original, afastando-o da área habitacional
da Herdade e criou um acesso pedonal vedado permitindo a visita ao Menir dos
Almendres, localizado na proximidade do monte. Mais recentemente (2012),
visando disciplinar o acesso e estacionamento de viaturas, a Câmara Municipal,
obtido o acordo prévio dos proprietários, criou uma bolsa de estacionamento a
cerca de 200 metros do Cromeleque.
Pese embora estas intervenções de
iniciativa municipal, o acesso e visita ao Cromeleque dos Almendres continua a
não obedecer a qualquer regra, condicionamento ou restrição (24 horas por dia,
365 dias por ano) com todos os inconvenientes e ameaças daí resultantes,
nomeadamente para a salvaguarda e integridade do monumento nacional, para a
proteção e conservação ambiental da própria Herdade e até para a segurança dos
próprios visitantes. Apesar da ausência de qualquer estatística fiável, é
notória a crescente, permanente e massiva devassa do monumento, tornando
insustentável a actual situação de indefinição estatutária e legal, quer no que
se refere à gestão e controle do acesso e visita pública a este monumento, quer
no que concerne à responsabilidade civil ou mesmo criminal decorrentes de
quaisquer actos que aí possam vir a ocorrer, atentatórios da integridade do
monumento ou dos próprios visitantes.
Face a este contexto de
indefinição e de real ameaça à preservação do Cromeleque dos Almendres, o
executivo da União de Freguesias da Tourega e de Guadalupe, fazendo-se eco das
legítimas preocupações de muitos cidadãos relativamente à salvaguarda e
valorização dos recursos culturais do seu território, em particular os
declarados formalmente de interesse público ou nacional, sente-se no dever de
assumir a sua quota parte de responsabilidades perante este problema.
Nesse sentido e ainda que
considerando que essa não será a solução mais adequada face à reconhecida
importância nacional do monumento, que justificaria da parte da Administração Pública
um outro nível de intervenção, a União de Freguesias manifesta a sua
disponibilidade para em conjunto com a entidade proprietária, encontrar uma
plataforma de entendimento que permita clarificar a situação estatutária do
“monumento” e estabelecer um modelo de gestão da visita pública que garanta as
melhores condições para a sua protecção, salvaguarda e valorização.
Deste modo:
Na presunção de
que a entidade proprietária da Herdade dos Almendres -apesar de estar no
direito de o fazer- não tem interesse em promover ou assumir a gestão e
controle das visitas a este monumento nacional localizado em plena Herdade mas
com acesso público através de “caminho municipal”;
na presunção que,
quer por parte da Administração Pública, quer por parte da Câmara Municipal,
não existem planos de intervenção para além das responsabilidades próprias de
tutela relativamente à salvaguarda do Monumento (Direção Regional de Cultura do
Alentejo e DGPC) ou à manutenção do estradão municipal (C.M. de Évora);
A Junta de Freguesia, consciente
das suas obrigações e responsabilidades, decide apresentar aos proprietários
uma proposta de acordo que considera
vantajosa para ambas as partes, visando em última análise a salvaguarda e
valorização do monumento nacional “Cromeleque dos Almendres”, através da
prossecução dos seguintes objectivos:
- gestão,
controle e enquadramento da visita pública ao Cromeleque;
- conservação e
manutenção do monumento e do seu espaço envolvente numa pespectiva de
salvaguarda patrimonial e ambiental;
- melhoria das
condições de acesso, estacionamento, interpretação e visita pública;
Para prossecução daqueles
objectivos, a União de Freguesias
propõe à Sociedade Agrícola dos
Almendres, o estabelecimento de um acordo de cooperação, assentando nos
seguintes princípios:
1. Sem
abdicar da respectiva propriedade, a Sociedade
Agrícola dos Almendres, entrega à responsabilidade da União de Freguesias
(ao abrigo da figura legal de “comodato”)
por um prazo a fixar, nunca inferior a 15 anos, o terreno onde se situa o
Cromeleque dos Almendres, incluindo o “parque de estacionamento e a ligação
pedonal entre ambos” de acordo com “planta a anexar”;
2. A
União de Freguesias compromete-se, num prazo inferior a um ano e ouvindo a
entidade proprietária, a preparar um plano de gestão e controle das visitas, a
submeter à aprovação da tutela do património e, que permita estabelecer um
regulamento e um horário de visita ao monumento, uma vez criadas as condições
materiais indispensáveis para a sua efectiva implementação no terreno;
3. Deverá
estar subjacente ao modelo de gestão, o princípio da “mínima intervenção física possível” no terreno cedido por comodato,
até por razões de preservação das condições ambientais e paisagísticas, uma das
grandes mais-valias deste monumento. As infraestruturas de apoio que sejam
consideradas indispensáveis deverão, preferencialmente, ser localizadas na
povoação de Guadalupe, em áreas públicas disponíveis e de passagem obrigatória
pelos visitantes.
4. Para
efeito da conceção e implementação do modelo de gestão de visitas, a União de
Freguesias, poderá obter o apoio ou a colaboração (administrativa, técnica,
logística ou mesmo financeira) de entidades terceiras que aceitem cooperar ou
participar na gestão e valorização deste monumento no quadro das condições
gerais previstas neste acordo;
5. Considerando
a necessidade de tornar sustentável a gestão das visitas e a manutenção do
monumento e da sua envolvente, a União de Freguesias deverá prever no modelo e
plano de gestão, para além do concurso a candidaturas disponíveis para apoios
financeiros, a capacidade de arrecadação de receitas, nomeadamente as
resultantes da cobrança de ingressos, venda de mershandising, exploração dos direitos de imagem, organização de
eventos culturais, etc…
6. Eventuais
resultados positivos de exploração, a verificarem-se, deverão ser exclusivamente
reinvestidos, nos seguintes domínios:
a.
Valorização do próprio monumento e melhoria das
condições de acesso e visita;
b.
Apoio a instituições de solidariedade social
existentes em Guadalupe ou Valverde;
7. Findo
o período estabelecido no contrato de comodato, a área cedida incluindo
benfeitorias, reverte à plena propriedade da Sociedade Agrícola dos Almendres, salvo se entretanto forem
estabelecidas de comum acordo novas formas de cooperação entre as entidades
signatárias;
8. A
falta de cumprimento dos princípios acordados, poderá ser motivo para denúncia
do acordo e do contrato do comodato por qualquer das partes signatárias.
Moção
A Assembleia da União de Freguesias de Nª ª da Tourega e Nª Sª de Guadalupe, reunida em sessão ordinária no dia 11 de Dezembro, tendo tomado conhecimento dos resultados inconclusivos das diligências efetuadas pelo executivo da freguesia junto dos proprietários da Herdade dos Almendres, relativamente à precaridade da presente situação do monumento nacional “Cromeleque dos Almendres”, deliberou:
Manifestar publicamente a preocupação dos membros eleitos, relativamente à situação de total indefinição no que respeita à gestão e à salvaguarda de um dos principais monumentos pré-históricos do território português, o Cromeleque dos Almendres, visitado diariamente por centenas de turistas, sem qualquer regra ou controle por parte de qualquer entidade pública ou privada.
Lamentar a ausência de acordo da parte dos proprietários da Herdade dos Almendres à proposta de modelo de gestão do monumento sugerida pela União de Freguesias, situação agravada pela ausência, tanto quanto é do conhecimento público, de qualquer solução alternativa por parte dos próprios proprietários.
Mandatar o executivo da União de Freguesias, no sentido de este alertar as entidades com responsabilidades legais na salvaguarda do património cultural, nomeadamente no património classificado como “nacional”, sobre as graves ameaças que nas presentes circunstâncias, se colocam à salvaguarda deste monumento e à segurança dos milhares de visitantes que o procuram.
Lembrar que, nos termos da Lei de Bases do Património Cultural, compete às entidades competentes da Administração Pública, a tomada de todas as medidas que a salvaguarda de um Monumento Nacional exijam, incluindo a sua expropriação, caso se conclua que essa é a solução mais adequada à sua proteção.
Dar amplo conhecimento público desta tomada de posição da Assembleia de Freguesia, através de nota a enviar à Câmara Municipal, à Direção Regional de Cultura do Alentejo, aos Grupos Parlamentares da Assembleia da República e à Comunicação Social.
São Brás do Regedouro, 11 de Dezembro de 2016
Nota para a comunicação social
A inexplicável situação de um Monumento Nacional
Aprovada “moção” na Assembleia da
União de Freguesias da Tourega e Guadalupe sobre o “Cromeleque dos Almendres”
O Cromeleque
dos Almendres, identificado arqueologicamente há cerca de meio século e
recentemente reclassificado como Monumento
Nacional (Decreto 4/2015 de 4 de Março), é atualmente um dos monumentos
pré-históricos mais conhecido e visitado em todo o país, sendo hoje um
verdadeiro “ex-libris” da cultura megalítica do Ocidente Ibérico. Foi objeto de
restauro e de valorização durante os anos 80 do século passado por iniciativa
do município de Évora, numa época em que a Herdade
dos Almendres estava intervencionada no âmbito da Reforma Agrária. Após a
devolução da propriedade aos seus antigos donos, o monumento, ainda que
classificado desde 1974 como “Imóvel de Interesse Público”, deixou de estar na
alçada pública. Apesar da Herdade ter sido vendida no final dos anos 90, o
Estado não exerceu então o direito legal de preferência, até porque estava em
causa uma área muito restrita de uma propriedade agrícola com quase 1000
hectares. Na altura, de acordo e por interesse dos novos proprietários, foram
apenas feitas algumas alterações nos acessos públicos, quer ao Cromeleque, quer
ao vizinho Menir dos Almendres, também abrangido pela classificação.
De então para cá e pese embora o facto de os
proprietários nunca terem levantado dificuldades à visita, também se tornou
evidente que a capacidade de intervenção pública estava fortemente condicionada
pela titularidade privada do monumento, inviabilizando qualquer possibilidade
de novos investimentos públicos na salvaguarda ou valorização de um monumento cada
vez mais conhecido e procurado pelo turismo. Ainda assim, em 2012, após um
processo negocial demorado e face a uma situação que se tornava calamitosa e
insustentável, com autocarros, autocaravanas e todo o tipo viaturas a
estacionarem e manobrarem dentro do próprio monumento, a Câmara Municipal conseguiria
autorização dos proprietários para instalar um parque de estacionamento
provisório a uma distância razoável de segurança.
Tal facto, ao melhorar significativamente as condições
ambientais na envolvente do monumento, acabou por ter outras consequências. Sem
qualquer publicidade ou marketing especial, para além do seu valor intrínseco,
do passa-palavra dos próprios visitantes e da proximidade de Évora, o Cromeleque dos Almendres transformou-se
rapidamente no monumento arqueológico mais conhecido da região, um verdadeiro
“Stonehenge” português, procurado quer por turistas individuais, quer por
grupos enquadrados por operadores turísticos de todo o tipo, atuando a partir
de Évora, de Lisboa, do Algarve ou mesmo de Espanha. Até porque, com todas as implicações
imagináveis, a ausência de qualquer gestão do monumento, permite a visita 365
dias por ano e, literalmente, 24 horas por dia.
Assim, são já hoje evidentes os efeitos da excessiva e
desregulada carga de visitantes, acelerando a erosão do terreno e pondo em
perigo a estabilidade dos menires, tornando-se também frequentes os actos de
vandalismo, por ausência de qualquer vigilância, traduzidos em usos indevidos
do local, “grafitis”, lixo e perigosos vestígios de fogueiras deixados por “visitantes”
noturnos. Acresce a esta situação, o agravamento dos problemas de manutenção do
estradão de acesso, face ao aumento do tráfego incluindo pesados de passageiros.
Ultimamente, e apesar da atenção dada ao assunto pela GNR, o local tem também atraído
o “interesse” dos gatunos, multiplicando-se os assaltos às viaturas
estacionadas.
Perante uma situação que se tem vindo a agravar, com
riscos cada vez mais elevados para a salvaguarda do monumento e para a
segurança dos visitantes, quer a Câmara Municipal de Évora, quer a União de
Freguesias de Valverde e Guadalupe, têm procurado atuar dentro dos limites das suas
capacidades e competências embora muito condicionadas pelo estatuto privado do
monumento. Alertando as autoridades policiais para os problemas de vigilância e
segurança, reparando periodicamente o estradão de acesso ou procurando manter a
limpeza possível dos espaços. Mas há consciência de que se trata de mero
paliativo para uma situação sem qualquer controlo e inexplicável para a maioria
dos visitantes, nacionais ou estrangeiros, convencidos que estão a visitar um
“monumento público”.
Foi neste contexto, visando encontrar uma solução que
permitisse congregar esforços e meios para instauração urgente de um qualquer
modelo de gestão de visitas e de clarificação do estatuto do monumento, que a
União de Freguesias decidiu avançar recentemente com uma proposta concreta
junto dos proprietários, a “Sociedade Agrícola dos Almendres”. Fê-lo partindo
dos seguintes pressupostos: embora
estivessem no direito de o fazer, os proprietários já demonstraram não estar
interessados em explorar comercialmente a visita pública ao monumento; a gestão da visita ao Cromeleque dos
Almendres, nos moldes propostos pela Junta, em nada interferiria, direta ou indiretamente,
com a atividade económica da Herdade; bem
pelo contrário, essa gestão, aumentando a vigilância e evitando as presenças
indesejáveis, em particular durante a noite, constituiria uma assinalável mais
valia para a própria propriedade.
A proposta presente à Sociedade Agrícola dos
Almendres, previa a cedência à União de Freguesias, por contrato de comodato e por
um período de 15 anos, do terreno do monumento, incluindo acessos e
estacionamento, transferindo para esta entidade a responsabilidade da sua
manutenção e do controle da sua visita pública. Para esse efeito a União de
Freguesias, comprometia-se a elaborar um plano de gestão, associando-se a
entidades terceiras (Câmara Municipal e Entidade Regional de Turismo, entre
outras) com vista à obtenção dos necessários meios técnicos e financeiros. Do
ponto de vista da intervenção física, seria evitada qualquer construção na
propriedade privada, para além da estritamente necessária (vedação e arranjos
paisagísticos de espaços exteriores) até por razões de preservação paisagística
e ambiental. Do ponto de vista da exploração comercial das visitas,
indispensável à sustentabilidade da própria gestão, ficava estabelecido que em
caso de resultados positivos, estes seriam investidos na valorização do
monumento ou canalizados para apoio às instituições sociais da aldeia de
Guadalupe.
Numa primeira reunião, a reação do representante dos
proprietários foi de aparente recetividade. Infelizmente a União de Freguesias
viria a ser informada posteriormente que a eventual aceitação daquela proposta
por parte da Sociedade proprietária, estaria dependente de uma condição prévia,
relacionada com a “viabilização” pelas autoridades competentes da renovação do
licenciamento para um empreendimento turistico na Herdade, um antigo “PIN”
conhecido como “Resort dos Almendres”. Face a uma condição prévia que nada
tinha a ver com os objetivos da proposta de salvaguarda do monumento nacional e
que, independentemente de considerações sobre as respetivas motivações éticas
ou enquadramento legal, ultrapassam completamente as competências de uma Junta
de Freguesia, a posição do executivo só poderia ser de recusa, ainda que
mantendo em aberto o interesse na negociação de quaisquer outras condições
particulares, desde que legitimas e dentro das suas competências, tendo sempre
em vista a salvaguarda do interesse público em causa, ou seja a salvaguarda do
Cromeleque dos Almendres para as gerações futuras.