quarta-feira, 16 de dezembro de 2015

A REINVENÇÃO DO CASTELO DA LOUSA



No próximo Sábado, 19 de Dezembro de 2015, o Arquitecto Pedro Pacheco, autor do projecto de arquitectura do premiado MUSEU DA LUZ, irá apresentar a público naquele Museu uma exposição sobre o "Castelo da Lousa", o sacrificado sítio romano localizado junto ao Guadiana no território da velha Aldeia da Luz. Mas ao contrário do que sucedeu com a aldeia, desmantelada por razões ecológicas e psicológicas, casa a casa, rua a rua, o "Castelo da Lousa" viria a ser objecto de uma complexa e pouco usual intervenção de protecção, precavendo a possibilidade de num futuro incerto e distante, já sem o lago do Alqueva (?) os nossos descendentes poderem decidir repôr à vista, - eventualmente numa paisagem lunar- o que restar das ruínas de há 2 100 anos atrás.

Desenganem-se porém os arqueólogos. Não se trata de uma exposição de "arqueologia", embora essa dimensão, como não poderia deixar de ser, também esteja presente. Artistas plásticos, arqueólogos, historiadores, mas também habitantes da velha aldeia vizinha,  à sua maneira e com a sua sensibilidade e experiência falam de um sítio que já é apenas memória ou, quanto muito, restos de objectos descontextualizados ("fiapos da memória" como lhe chamava o Benjamim Pereira, o etnólogo responsável pelo excelente projecto de museologia do Museu da Luz) e, por consequência, porque no sítio em causa aparentemente não existe nada, no título da exposição temos uma coordenada geográfica, um ponto no espaço que assinala algo que já não se vê mas que persiste no nosso imaginário.



Tendo dirigido todo o processo de intervenção preventiva neste sítio tão especial, desde os primeiros diagnósticos arqueológicos em 1996 até à deposição do último saco de areia de proteção (2002- ver a propósito http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/08/lousa-o-fecho-do-tempo-por-razoes-que.html ) é sempre com alguma emoção que revivo processo tão rico e intenso, envolvendo tantos e tão variados personagens, alguns já entretanto desaparecidos. Desde a equipa da ARKHAIOS dirigida pela Ana Gonçalves (tal com a "ERA, Arqueologia", uma das primeiras empresas de Arqueologia do país, ambas formadas por jovens arqueólogos que haviam trabalhado comigo, como tarefeiros, no antigo Serviço Regional de Arqueologia), passando pelos investigadores da Universidade de Coimbra, sob a coordenação de Jorge de Alarcão (que com Adília Alarcão haviam estudado nos anos 60, os materiais das escavações de Afonso do Paço e Joaquim Bação Leal) e de Pedro Carvalho.
Uma das mais interessantes novidades das escavações da ARKHAIOS_ a identificação da pedreira romana original 

Escavações da ARKHAIOS
Como poderei esquecer o ter conseguido que Jürgen Wahl,voltasse de novo a estudar o Castelo da Lousa, ele que o tinha divulgado internacionalmente com o seu magnífico estudo dos anos 80. Infelizmente, este arqueólogo faleceu há alguns anos sem que os resultados dos seus novos estudos tenham sido publicados mas muito recentemente a sua viúva (Regula Wahl, também ela arqueóloga actualmente ligada ao projecto de arqueologia mineira romana de Três Minas, Jales) ofereceu ao Museu da Luz toda a documentação  de Jürgen relacionada com a Lousa.

Jürgen e Regula Wahl, em Outubro de 2001, na Lousa 

Ainda no que respeita à Arqueologia e a este projecto também não posso esquecer a estreita colaboração com a Universidade da Beira Interior que através do meu velho amigo Martin Hock actualizou, com milimétrica precisão, os levantamentos arquitectónicos. É uma lista enorme de colaborações, até porque ao nível da divulgação houve uma especial preocupação desde os primeiros momentos, não só para proporcionar enquanto era possível a visita ao sítio (melhorando caminhos, instalando passadiços, etc.. e nisso teve um papel preponderante o meu directo colaborador Zé Perdigão) mas também para produzir todo um conjunto de material (CDROM, Video, publicações) que minimizasse a grande "maldade" que se anunciava. O afundamento do monumento. Quando se começou a levantar a hipótese da sua protecção, naturalmente com muitas dúvidas e hesitações técnicas e éticas, foi decisiva a colaboração com o prestigiado LNEC, onde tive todo o apoio de outro velho amigo (desde os tempos dos estudos sobre a conservação dos monumentos megalíticos no Alentejo), o Delgado Rodrigues que coordenou a equipa que produziu o respectivo estudo e cujas conclusões foram decisivas para o projecto posteriormente concebido pelo malogrado Eng. Diamantino Saraiva. (ver a este propósito:  https://www.academia.edu/6072576/Reburying_the_archaeological_structures_in_the_Alqueva_Project )


O Castelo da Lousa, antes do início dos trabalhos de protecção. A sinalética e o passadiço era já da responsabilidade da EDIA

O início dos trabalhos de proteção


A cobertura do monumento em fase avançada, Fevereiro de 2002, por altura do fecho das comportas de Alqueva.

Para registo e memória futura, aqui transcrevo a Nota de Imprensa que preparei para os serviços de comunicação da EDIA, em 22 de Outubro de 2001

Protecção do Castelo da Lousa

            Conforme programado, iniciaram-se recentemente os trabalhos preparatórios com vista à concretização da "selagem e protecção" das ruínas do Castelo da Lousa, operação já adjudicada e que deverá estar concluída quando se iniciar a formação do Regolfo de Alqueva. Por motivos de segurança a partir de agora as visitas a este sítio arqueológico, já de si de acesso difícil em época de invernia, ficam fortemente condicionadas.

Singular monumento da época romana, o impropriamente chamado "Castelo da Lousa", está localizado a 3 quilómetros da Aldeia da Luz na margem esquerda do Guadiana entre as cotas 120 e 130. A estreita relação com o Rio, factor que terá sido determinante na escolha do local para a sua implantação, acarreta  também a inevitabilidade da próxima submersão pela Barragem do Alqueva, hipótese que estava já presente quando nos anos 60 Afonso do Paço e Bação Leal aí realizaram as primeiras escavações. Àqueles investigadores se deve não só o reconhecimento do interesse arqueológico do local, desde logo interpretado como "fortim romano", mas também a descoberta das suas ainda imponentes estruturas arquitectónicas graças a sucessivas campanhas de escavação realizadas entre 1963 e 1970. A teoria da sua função militar viria, no entanto, a ser contestada nos anos 80 pelo arqueólogo alemão Yurgen Wahl que aí procedeu a novos levantamentos e estudos. Para este arqueólogo ligado à Universidade de Colónia e que tem vindo a colaborar com a EDIA nas investigações mais recentes, a estrutura arquitectónica do monumento corresponderia a uma "villa" ou grande casa fortificada relacionada provavelmente com a actividade agro-pecuária. No entanto, Yurgen Wahl, em artigo importante ainda hoje só disponível em alemão confirmou as datações já antes avançadas pelos investigadores portugueses. O monumento fora construído em meados do Século I antes de Cristo, nos finais da época Republicana, tendo sido abandonado cerca de um século depois, já em pleno Império.

            Dada a particular importância deste monumento que durante muito tempo partilhou com o "Cromeleque do Xerêz" especial preocupação dos arqueólogos face ao Empreendimento de Alqueva, o mesmo viria a ser objecto a partir de 1997 de um conjunto de acções específicas no quadro do Plano de Minimização dos Impactes Arqueológicos do Alqueva elaborado pela EDIA e aprovado pelo Ministério da Cultura. Destacam-se antes de mais todo um conjunto de novas escavações arqueológicas realizadas por uma firma de Évora a ARKHAIOS com a colaboração do Instituto de Arqueologia da Faculdade de Letras de Coimbra, que nos dão hoje uma visão muito mais alargada do complexo arquitectónico original. Ainda que em termos de informação genérica (cronologias, espólios e funções) não se verifiquem grandes novidades em relação aos dados já conhecidos, a zona com ruínas reconhecidas aumentou sensivelmente para o dobro colocando novas questões interpretativas. Esta oportunidade foi igualmente aproveitada para se realizarem novos levantamentos topográficos, adjudicados à Universidade da Beira Interior e, mais recentemente, prospecções geofísicas. Para lá de estar previsto o apoio à publicação científica dos resultados das novas escavações, actualmente em vias de conclusão, a EDIA prepara desde já a execução de meios museográficos com vista ao futuro tratamento da memória do Castelo da Lousa, tema a que será dado um destaque especial no Museu da Aldeia da Luz, já em construção na nova aldeia. Referimo-nos à produção de maquetes das ruínas, bem como de um CDRom interactivo que a par de outra informação disponibilizará um largo conjunto de imagens panorâmicas (360º) do monumento e da paisagem envolvente, tal como ele se encontrava na fase final das escavações.

            Embora apenas decorresse das condicionantes impostas pelo processo de Avaliação de Impactes Ambientais, a minimização de impactes através do registo arqueológico, ou seja, através de novas escavações, situação comum a outras dezenas de sítios que serão submersos pelo Alqueva, no caso do Castelo da Lousa considerando o seu especial significado a EDIA tomou a iniciativa de ir mais além. Solicitado ao Laboratório Nacional de Engenharia Civil um estudo sobre os efeitos da submersão e a viabilidade de medidas de salvaguarda, os técnicos do LNEC concluíram que, apesar dos graves problemas de conservação estrutural detectados, era possível aumentar a capacidade de resistência das ruínas à submersão se fossem tomadas algumas medidas preventivas. A busca de uma solução técnica adequada não se revelou fácil nem consensual, tendo em conta a total ausência de experiências semelhantes mesmo a nível internacional, e a localização do monumento numa escarpa de xisto sobranceira ao Rio e delimitada por duas ribeiras muito encaixadas. Depois de abandonada uma primeira solução do tipo "enrocamento", quer pelas dificuldades de execução quer pelas implicações negativas sobre as novas áreas arqueológicas entretanto descobertas, viria a ser aprovada pelo IPA e pelo IPPAR, uma solução com menos impacte arqueológico e que passa pela cobertura do monumento por uma estrutura formada por alguns milhares de sacos de geotêxtil, resistentes à água e preenchidos por areia. O projecto é da responsabilidade da COBA tendo a obra sido adjudicada à firma CONDURIL, pelo valor de 47 600 000$00,* com um prazo de execução previsto de 2 meses.
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* cerca de 240 000 €

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