quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

A PADROEIRA DOS ARQUEÓLOGOS


Foi no contexto de uma recente troca de impressões profissional com o Nelson Almeida (o arqueólogo que na Direcção Regional de Cultura do Alentejo, dada a sua formação específica na matéria, se ocupa dos processos que envolvam intervenções de carácter antropológico) que a questão se me colocou. Referindo-me ironicamente, em relação a um caso concreto, à alta probabilidade de atrás de uma sepultura (estruturas que por razões éticas e científicas não se podem truncar), vir sempre outra, complicando e encarecendo de forma inesperada algumas intervenções arqueológicas preventivas, sugeri que o arqueólogo responsável, as esconjurasse invocando se necessário "o santo padroeiro dos arqueólogos”. Foi aí que o Nelson me informou (tal nunca me havia ocorrido) que de facto existe um “santo padroeiro dos arqueólogos”, mais concretamente, uma Santa de seu nome Helena. Fez-se-me então luz, até porque li recentemente com muito interesse e curiosidade a última obra do meu colega e amigo Vitor Serrão  "Arte, Religião e Imagens em Évora, no tempo do Arcebispo D.Teodósio de Bragança, 1578-1602” cuja capa vem ilustrada com um pitoresco detalhe (que acima reproduzo) de uma pintura de Gregório Lopes, proveniente da Sé de Évora e exposta no respectivo Museu de Arte Sacra, intitulada Santa Helena e o milagre do reconhecimento da Vera Cruz. No pormenor em causa, vários cavadores buscam afanosamente relíquias, no caso, da própria cruz de Cristo (aparentemente e tendo em conta a quantidade de “santos lenhos” guardados por toda a Cristandade, parecem ter sido bem sucedidos…).

Ironia à parte, a associação da “arqueologia” com a mãe do Imperador Constantino, (Flavia Julia Helena) acaba por fazer sentido, tendo em conta toda a vasta hagiografia que remete para as suas incessantes “buscas” em torno dos locais da paixão de Cristo e que culminariam com a “descoberta” do “santo lenho” e a construção da Basílica do Santo Sepulcro pelo Imperador Constantino, A pintura de Gregório Lopes remete-nos precisamente para essa mitologia cristã, militantemente recuperada no âmbito da Contra-reforma pós concilio de Trento e que no Alentejo viria a ter grandes impulsionadores, como o Arcebispo D.Teotónio de Bragança, que para além da "identificação" e refundação de sítios do imaginário martirológico eborense, como São Manços, Tourega ou São Brissos, chegou a promover “escavações” no litoral de Sines, em busca das relíquias de São Torpes, a solicitação do Papa Sisto V (1585-1590). Como alguns saberão, estas pesquisas permitiram de facto identificar uma sepultura de onde se recolheram um "casco da cabeça”, uma “pomazinha quebrada de barro” e uma “estampa de pedra preta debuxada”,  relíquias que seriam guardadas religiosamente na igreja matriz de Sines e onde séculos depois Leite de Vasconcelos ainda encontraria no sacrário a tal “estampa”, afinal uma típica placa votiva megalítica… Mas sobre estes assuntos, e as suas implicações ao nível da história da arte, vale a pena voltar com atenção à obra citada de Vitor Serrão, ainda que em minha opinião o conceito de “Arqueologia”,  aí seja usado com excessiva liberalidade…no âmbito cronológico em causa. De facto, de uma maneira geral os historiógrafos da Arqueologia portuguesa, costumam começar a usar o conceito,  ainda com cautela, apenas no final do Século XVIII com a figura do bispo Frei Manuel do Cenáculo.



Para finalizar este "post", referir ainda que, a crer na Internet, o dia de Santa Helena e por consequencia dos arqueólogos, ocorre a 18 de Agosto, e que a referida Santa é ainda a protectora dos "convertidos" e dos "casamentos em dificuldades..."


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