quarta-feira, 22 de outubro de 2014

São João dos Azinhais, Torrão


Poderia ser apenas mais uma das dezenas (centenas?) de capelas rurais isoladas do Alentejo, arruinadas pelas catástrofes ou pelo abandono provocado pelo despovoamento ou pela desmemória das gentes. Mas não! Como em muitos outros exemplos, estas capelas ainda que revelando nas suas estruturas, a religiosidade construtiva que nos séculos XV e XVI atravessou as terras de aquém Tejo, não surgiam do nada. Quase sempre lhes está subjacente uma longa história de séculos normalmente iniciada em época romana senão ainda bem antes disso (lembremos as “antas-capelas”!). No caso de São João dos Azinhais, já uma ruína há muito abandonada pela paróquia do vizinho Torrão a quando da construção da Barragem do Vale do Gaio em meados do século passado, que quase a submergiu, os seus antecedentes já estavam assinalados por André de Resende, dada a presença de inscrições de época romana e visigótica. Leite de Vasconcelos que andou por terras do Torrão, quis ver as lápides publicadas pelo Mestre Renascentista mas não chegaria a ter oportunidade para isso. Seria bastante mais tarde em 1975, que Fernando de Almeida, professor da Faculdade de Letras da Universidade de Lisboa com a colaboração de dois discípulos, António Cavaleiro Paixão, um colega e amigo recentemente desaparecido, e Judite Paixão aí procederiam à recolha e estudo de diversos materiais, comprovando que a localização da Igreja tina atrás de si um longo historial. Pode ler-se no final do artigo que publicaram em 1978 na Revista Setúbal Arqueológica: “O Dr Leite de Vasconcelos encontrou por ali materiais neolíticos. Depois surge-nos bem marcada a ocupação romana evidente pelo monumento funerário a um jovem, talvez inscrito na Ordem Senatorial. Vem depois o período visigótico com a capela ali construída em data assinalada e uma série de pedras trabalhadas da mesma época, a confirmarem a existência do templo e os cuidados postos no seu embelezamento. Por fim aparece a lápide com a Cruz de Santiago, como que a recordar os direitos da Ordem por aquelas paragens.” Das inscrições e lápides já nada subsiste no local, estando algumas preservadas no Museu de Arqueologia de Setúbal ou no próprio Torrão, na Igreja da Misericórdia. A Igreja propriamente dita, não passa hoje de uma ruína que, apesar de tudo, mereceria pelo menos o respeito e a reflexão de uma população mais culta que aqui teria um espaço ideal de reflexão sobre o tempo e a inevitabilidade dos seus efeitos. Talvez por isso e só por isso, após uma proposta de 1991 da Câmara Municipal de Alcácer, o que resta de São João dos Azinhais, foi finalmente classificado em 2013 como Monumento de Interesse Público.
São João dos Azinhais, em foto fo site da C.M. de Alcácer do Sal, talvez dos anos 80

A galilé já derrubada, em foto de 2008

Restos de pintura a fresco no interior (2008)

Vista de conjunto de 2008

Vestígios arqueológicos que a erosão provocada pela albufeira da Barragem do Vale do Gaio (ou Trigo de Morais) vai mostrando. Nas proximidades na margem contrária da Ribeira do Xarrama, hoje represada, Carlos Tavares da SIlva e Joaquina Soares viriam a identificar nos anos 80 o conhecido povoado calcolítico do Monte da Tumba.

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