Regresso à "Vila Velha" e ao Lumumba
Muitos anos antes de ter tido oportunidade de ler o livro do Embaixador José Cutileiro, "Ricos e Pobres no Alentejo" (que recomendo vivamente a quem queira ter uma ideia do que era socialmente o Alentejo há meio século atrás...) já Monsaraz (a "Vila Velha" de Cutileiro) fazia parte do meu roteiro arqueológico pessoal. Não consigo naturalmente precisar quando ali estive pela primeira vez, provavelmente algures no início dos anos 70, quando o meu pai comprou o tal "Toyota Corolla" que viera para ficar nos tempos do Marcelo Caetano e começámos a fazer algumas incursões turístico-culturais familiares... (a ida ao "borrego a Monsaraz", seria mais tarde uma daquelas tradições obrigatórias a quando das estadias dos meus pais em Évora). De facto, quando nas férias da Páscoa de 1975, andei por estas paragens integrando uma equipa de estudantes do velho GEPP (Grupo para o Estudo do Paleolítico Português), já em prospecções pré-Alqueva (sugeridas pelo então nosso Professor de Práticas e Materiais Arqueológicos (?) José Morais Arnaud), a região já não me era completamente desconhecida e Monsaraz, pela sua localização estratégica serviu de apoio às pesquisas que então fizémos nos terraços fluviais do Xerez (ou Xarez) que se desenvolvem nas planícies que acompanham o Guadiana nesta zona. Recordo até a visita que fizémos nessa "expedição" ao médico Dr. Pires Gonçalves (o grande estudioso do megalitismo da região e defensor de Monsaraz) que nos recebeu, algo desconfiado, no seu consultório de Reguengos. O nosso aspecto não deveria ser muito recomendável e o velho médico só baixou a guarda quando percebeu que éramos estudantes de arqueologia, alguns já então ligados à Associação de Arqueólogos Portugueses, de que Pires Gonçalves, dadas as suas ligações a Afonso do Paço, era sócio proeminente. Deve também datar dessa viagem a primeiríssima incursão gastronómica ao Restaurante Lumumba que abriu as portas nesse mesmo ano de 1975. De entre os locais com interesse arqueológico que então identificámos na região, destacava-se uma plataforma que apresentava muitos materiais líticos pré-históricos em superfície, atravessada pela velha estrada que ligava a colina de Monsaraz à Ponte metálica de Mourão e que cruzava toda a baixa do Xerez, passando junto à Anta e ao Cromeleque do Xerez, este identificado e restaurado pelo referido médico Pires Gonçalves (ver aqui a curiosa história da sua identificação ) alguns anos antes. Denominámos o sítio como "Xerez de Baixo" e atribuímos os achados líticos ao Paleolítico Médio, tendo decidido que oportunamente ali realizaríamos algumas sondagens para verificar se existia ainda um contexto estratigráfico preservado que nos permitisse enquadrar os abundantes materiais de superfície. Recorde-se que por esta época, o GEPP, concluído o "salvamento da Arte Rupestre do Tejo", iniciava trabalhos deste tipo nos terraços do Tejo em Vilas Ruivas (Ródão), com resultados muito interessantes, descobrindo-se então as mais antigas "estruturas de habitat" (Paleolítico Médio) jamais identificadas em Portugal.
Entusiasmado com os resultados de Vilas Ruivas, o Luis Raposo viria a sugerir-me a realização de trabalhos no Xerez, tendo-se proporcionado a ocasião no Carnaval ou Páscoa de 1979, após termos conseguido o apoio logístico da Câmara Municipal de Reguengos. A pequena equipa lisboeta pernoitaria numa sala da Junta de Freguesia (por cima da célebre pintura a fresco do "Bom e do Mau Juiz", hoje Museu do Fresco) e jantávamos (de que maneira, após um almoço de sandes...) no Restaurante Lumumba. Localmente tínhamos o apoio do reguenguense Rafael Alfenim (então ainda estudante de Arqueologia em Coimbra, e meu colega de trabalho há muitos anos) e de Francisco Serpa, funcionário da Câmara Municipal, o qual apesar de há muitos anos emigrado no Algarve (onde foi "guardião" da lindíssima Igreja de Nª Sª de Guadalupe, na Raposeira, até se aposentar), ainda hoje é uma "lenda viva" da arqueologia e etnografia da sua Reguengos natal. Desta campanha de trabalhos, cujos inesperados e problemáticos resultados apresentámos no ano seguinte no IV Congresso Nacional de Arqueologia (Faro,1980- ver aqui) e que só por si mereceriam uma entrada especial neste blog (fica para outra oportunidade) restam algumas referências muito específicas, que então não valorizei, mas que viriam a ganhar especial significado à medida que a minha carreira posterior e até a minha vida pessoal e familiar se orientava para o Alentejo.
As escadas de acesso às instalações que a Junta de Freguesia nos cedeu para pernoita e trabalho, hoje Museu do Fresco |
O Restaurante Lumumba, na Rua Direita |
Uma nota final. Procurei junto do Sr. José Lumumba saber de uma figura amiga que ao longo dos anos, sempre me habituara a ver em Monsaraz mas de quem não tinha notícias há muitos anos (até porque deixei de ser assíduo por estas paragens desde que, coincidindo com o início da grande "revolução paisagística" aqui verificada, deixei as minhas funções na EDIA/Alqueva). Refiro-me a José Ferro, funcionário da Junta de Freguesia, que sempre conheci como responsável pelo Posto de Turismo local e que soube agora ter falecido há já alguns anos. Afinal a "Vila Velha", apesar dos "liftings" e mesmo com o Lumumba a resistir, já não é a mesma.
Afinal, a "grande revolução" de Monsaraz. O sítio do Xerez de Baixo (hoje submerso) situava-se umas centenas de metros para lá da actual ponte de Mourão, ao centro da foto. |
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