sexta-feira, 6 de maio de 2016



A Arqueologia do Vale do Tejo, na TSF

 Ainda que seja um ouvinte irregular, nomeadamente pelo excesso de oferta de eventos culturais e/ou familiares que se acumulam cada fim de semana que passa,  há muito que sou "fã" do premiado programa do Manuel Vilas Boas, Encontros com o Património, um projecto TSF já com alguma patine, uma parceria com DGPC em que estão envolvidos os meus colegas Manuel Lacerda e Margarida Botto. Aliás tive já oportunidade de colaborar em dois programas, um sobre o Projecto Arqueológico do Alqueva, gravado há alguns anos na sede da EDIA em Beja, e outro de balanço sobre um antigo plano de financiamento ao património "Itinerários Arqueológicos do Alentejo e do Algarve", gravado nas Ruínas de São Cucufate. Esta presente chamada de atenção resulta do facto de o programa de amanhã (que também não vou poder seguir, pelo menos em directo, por estar num colóquio sobre património megalítico promovido pela Câmara Municipal de Montemor-o-Novo) se apresentar com o título "Arqueologia do vale do Tejo". O pretexto imediato para o tema, conforme consta do anúncio no (SITE da DGPC) é a próxima organização das III Jornadas de Arqueologia do Vale do Tejo, que este ano irão ter lugar em Vila Velha de Ródão, e talvez essa circunstancia geográfica tenha induzido a associação que ressalta no texto de apresentação, com a Arte Rupestre do Tejo e a chamada Geração do Tejo...Com efeito essa é uma expressão que não tendo paternidade definida, usei em dois artigos de divulgação sobre esta mesma temática, publicados originalmente em Junho e Julho de 1994 no Diário de Notícias e mais tarde reeditados no livro editado pela Europa-América em 1996, "A Linguagem das Coisas", uma parceria com o Luis Raposo, um dos participantes neste programa. Recordo que na altura, o Francisco Sande Lemos, precisamente um dos mentores (pela idade e capacidade intelectual e física) do grupo de jovens universitários do Tejo, reagiu um pouco negativamente a esse "conceito geracional", num artigo publicado na revista "Forum" da sua Universidade do Minho, lembrando que não competia aos sujeitos envolvidos escreverem a sua própria história... O que é certo é que tal reação acabou por ter um efeito contrário e sempre que alguém se debruça hoje sobre a historiografia da arqueologia lusa do último quartel do Século XX, acaba por esbarrar com essa fórmula expressiva, (também já consagrada na toponímia local!) ao verificar que de uma forma ou de outra, muitos dos arqueólogos em causa (e não só), sobretudo no domínio da Pré-história, acabaram por fazer o seu tirocínio nas Portas do Ródão, fosse no levantamento da arte rupestre, nas prospecções ou sondagens paleolíticas nos terraços quaternários, ou na identificação e escavação dos vestígios megalíticos.

Um conjunto interessante de fotos sobre esta geração, pode ser aqui consultado (Site do Centro de Interpretação da Arte Rupestre do Tejo)

O programa da TSF: http://www.tsf.pt/programa/encontros-com-o-patrimonio/emissao/gravuras-do-tejo-5161740.html


Para registo, aqui deixo em "facsimile" os artigos originais de 1994.

PS_ Através do Facebook, o Vitor Oliveira Jorge comentou hoje (7 de Maio de 2016) este post. Julgo que o seu testemunho é importante para o caso, pelo que, com a devida vénia aqui o transcrevo, "ipsis verbis":

A determinada altura criou-se, e tu foste um dos ecos disso, a noção de "geração do Tejo". Sim, está bem. Precisamos, para fazer a história, desse tipo de "cristalizações", sempre algo convencionais. É como a ideia de "escola do Porto", quem enfim, também teria muito que se lhe dissesse.
O que era engraçado, também, era lembrar os antecedentes do GEEP- Grupo para o Estudo do Paleolítico Português - , o qual teve origem na CAVE (designação que lhe dava o Vasco Salgado de Oliveira, que ignoro se está vivo e que não sei onde pára - muito gostava de o reencontrar, porque era mesmo amigo dele e tive pena que abandonasse a arqueologia), e que eu designava GRUPO DE ESTUDOS ARQUEOLÓGICOS, tão somente. Foi o pai do Vasco, que era abastado, que nos cedeu uma parte da cave de um prédio que possuia em Lisboa, para aí trabalharmos em arqueologia, logo no início do meu curso, aí por 1966 talvez. Foi onde escrevi alguns dos meus primeiros trabalhos publicados. Tornava-se incomportável guardar o material resultante das nossas prospecções nas casas de cada um, e houve a ideia de juntarmos as nossas bibliotecas de arqueologia, o que se concretizou na tal cave. Que éramos nós? Além de mim e do Vasco, o Luís Simões Gomes, que pintava muito bem, e que já faleceu segundo me disseram. Fomos nós que fundámos esse grupo. Quando Luís de Matos começou a dar aulas na FLUL como assistente do Prof. Fernando de Almeida, recomendou a alguns jovens que contactassem comigo, pois me conhecia bem do liceu (tinha sido meu professor de Religião e Moral no Camões e sempre nos demos muito bem). Assim vieram ter à tal cave a Susana, que já era então minha namorada, o Jorge Pinho Monteiro, etc. Mas entretanto eu fui, com uma Ana que o Serrão me apresentou e se fez minha amiga (também não sei onde pára) ao programa Curto-Circuito, e lá atrevi-me a dizer que na FLUL não havia condições para os jovens interessados em arqueologia trabalharem. Na sequência desse programa televisivo ir para o ar (lembro-me de ter comprado um fato para ir ao programa... para o qual até contactei com o Alexandre O' Neill...) telefonou-me o Dr. Farinha dos Santos, que tinha sido meu professor de Pré-história, da parte do Prof. Fernando de Almeida, de quem era assistente. Este também vira o programa, é claro. Toda a gente via. E foi assim que o "D." Fernando de Almeida foi à cave, e escreveu no nosso livro de visitas: "Gosto tanto dos cavistas que até os vou levar para o Museu de Belém" (de que era director). E assim aconteceu. Mas de início deu-nos uma sala enorme, cheia de tralha, lá nos cimos, onde havia um mocho empalhado e se ouviam os ratos no telhado. Pedi-lhe outra sala. E o Fernando de Almeida, que tinha consideração por mim, deu-nos a sala onde o Manuel Heleno, antigo director, teria trabalhado, após ter deixado a direção. E ali foi onde escrevi em pouco mais de um mês a minha tese de licenciatura, em 1972, depois de vir de França com mais 4 elementos do GEPP... a Susana, a Maria Querol (a quem o Fernando de Almeida sugeriu que trabalhasse comigo, pois estava como bolseira espanhola cá. já licenciada), o Jorge Pinho Monteiro e o Francisco Sande Lemos. Ainda me lembro de quando o Francisco me perguntou se podia pertencer ao informal grupo, após uma palestra que fiz no anfiteatro pequeno da FLUL, integrada nas actividade do Círculo de Estudos Arqueológicos que ali havia. O Francisco, adentro dos nossos interesses comuns pelo Paleolítico, sugeriu que fôssemos estudar o vale do Tejo, porque havia lá terraços quaternários identificados, creio, pelo Orlando Ribeiro (que tinha sido meu professor e com o qual havia uma grande estima mútua - ele para mim era um génio). Ora bem, o Francisco tinha também familiares - creio que o Paulo Caratão Soromenho, etnógrafo amador (o Francisco que me corrija se faz favor, se erro) que tinha ligações àquela região do Alto Tejo. Eu não fui ao congresso nacional de arqueologia espanhola de Jaén de 1971, onde o grupo apresentou um trabalho colectivo, que em grande parte redigi e a Maria Querol passou para castelhano, porque fui convidado para ir àquela missão em Moçambique (dirigida pelo Miguel Ramos) da então Junta de Investigações do Ultramar; e por essa razão também não fui um dos "descobridores" da arte do vale do Tejo, tendo apenas participado, com a Susana, na fase inicial, anterior à entrada na equipa de toda essa "geração" de que falas, já depois de voltar de Moçambique, e de ir para a Angola já licenciado, nos inícios de 1973.
Eis alguns pormenores a que podia acrescentar muitos outros, que apenas servem para esclarecer melhor a génese da "geração do Tejo", e qual a razão pela qual todo um conjunto de pessoas ligeiramente mais novas que eu se reuniam no actual Museu Nacional de Arqueologia (José Mateus, Luís Raposo, etc.) e depois de eu ir para África desenvolveram os estudos do Tejo.
A minha acção, perante tal descoberta, de que soube em carta da Susana quando acampava em Cahora Bassa, Moçambique (o que me fez dar muitas voltas à tenda, louco de entusiasmo...) foi essencialmente conectar o grupo com o Eduardo Serrão, pois este não se dedicava a Paleolítico e, por essa ser a temática da minha tese de licenciatura, eu contactar a partir de certa altura menos com ele do que antes, e do que gostaria... mas, estávamos em articulação e logo em carta de Moçambique eu disse à Susana para ligarem ao Serrão, que era o único que nos podia valer perante a grandeza de tal descoberta, uma das mais importante da história da arqueologia portuguesa, sem dúvida. E porque o vale do Tejo foi o alfobre de toda uma nova geração que viria a afirmar-se com o 25 de abril.
Na foto, da esquerda para a direita, António Carlos Silva. António Martinho Baptista, Luis Raposo e Teresa Marques, agora...40 anos mais novos!


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