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quarta-feira, 6 de maio de 2015

Missão Tróia-78
Em primeiro plano o "cais dos alemães", a Sul das Ruínas romanas de Tróia

O recente e muito comentado incidente do "pacote suspeito" que interrompeu a circulação na Ponte 25 de Abril trouxe-me à memória os meus tempos de tropa (felizmente muito pacatos, graças aos adiamentos sucessivos permitidos pelo estatuto universitário, ao contrário do que aconteceu com muitos outros colegas e amigos da mesma idade). É que, em 1978, à  minha "ordem" como oficial Aspirante, o trânsito também foi interrompido na Ponte durante um bom par de horas. É certo que o prejuízo ou o incómodo terão então sido mínimos. Devia passar das 3 da madrugada e, na época, o trânsito era quase inexistente a tal hora, até porque era uma noite de domingo para segunda, para mais de nevoeiro cerrado. Mas vamos aos detalhes operacionais, espero que já "desclassificados" do segredo militar...A missão consistia em comandar e escoltar com o meu pelotão do Regimento de Infantaria de Queluz, a partir de um dos vários paióis existentes ao longo da chamada estrada militar que circundava Lisboa (em grande parte construída durante a segunda guerra mundial e quase totalmente ocupada pelos "bairros de barracas" nos anos 60), uma coluna de duas dezenas de velhas Berliets, carregadas de explosivos obsoletos com destino à Península de Tróia, onde nos aguardaria uma lancha da Marinha de Guerra. O primeiro "obstáculo" sério, era a passagem da Ponte 25 de Abril, que tinha de ser cruzada sem trânsito, por razões de segurança. Para isso parei a coluna, umas centenas de metros antes do tabuleiro que atravessei com o Jeep até à Portagem, onde requisitei o apoio dos polícias de serviço para a total interrupção do trânsito em ambos os sentidos. Passada a Ponte em marcha lenta, o resto da viagem decorreu (quase) sem incidentes, salvo duas ou três pequenas avarias, e uma berliet com não sei quantas toneladas de explosivos atascada nas areias da Comporta, porque o condutor adormecera, mas lá chegámos, ao romper da aurora, a Tróia. Não à "Caldeira", onde se situa o grosso das ruínas romanas que eu já conhecia bem por ter participado em 1975, no II Colóquio de Arqueologia de Setúbal já organizado pela Joaquina Soares e Carlos Tavares da Silva, mas ao chamado cais da Nato ou dos Alemães, uma estrutura militar meio secreta do tempo da guerra fria, hoje quase abandonada e que se situará nos limites Sul da zona arqueológica, não muito longe do actual cais dos ferris. O resto do dia foi passado com o pessoal do pelotão a descarregar (manualmente) as caixas dos engenhos explosivos, essencialmente munições e granadas dos mais diversos calibres, das Berliets para a lancha de desembarque. Recordo que à medida que as horas passavam, a maré descia e o cansaço aumentava, a operação se tornava cada vez mais difícil, com algumas caixas a estatelaram-se no tombadilho da lancha perante as pragas requintadamente vernáculas do comandante. Quando finalmente descarregámos a última Berliet, a lancha já quase não tinha calado para zarpar em direcção ao destino final dos explosivos: uma fossa abissal, localizada algumas milhas a Sudoeste de Sagres, para onde seriam despejados, novamente à mão, mas agora por um pelotão do Regimento de Setúbal que nos viera render ao fim da tarde. Estou certo que, face aos inevitáveis impactos ambientais, tal prática terá sido há muito abandonada pelos militares. Mas a eventual descoberta de um tal "cemitério" de sucata pelos meus colegas arqueólogos subaquáticos do futuro, não deixará de levantar intrigantes questões e teorias...

Uma nota final a propósito de Tróia. Em anterior Post sobre Tróia, republiquei neste blog uma antiga crónica que escrevera para o DN sobre estas ruínas, na qual referia a explicação corrente para a origem de um nome tão erudito e que passaria pelo reconhecimento por parte dos humanistas portugueses da monumentalidade de ruínas que "lembrariam" a Tróia Homérica. Na sequência desse post, a minha colega Inês Vaz Pinto, actual responsável pelo sítio, teve a amabilidade de me contactar e de referir que, recentemente o Professor Jorge Alarcão, defendeu que este topónimo derivará do nome dado pelos pescadores a um tipo específico de aparelho ou armadilha de pesca. Aqui fica a correcção, que tem toda a lógica, pois antes dos arqueólogos já os pescadores de Setúbal frequentavam a península, onde aliás ergueram uma antiga capela dedicada a Nª Sª de Tróia onde ainda hoje  fazem uma peregrinação anual.

http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/03/as-ruinas-de-troia-nas-origens-da.html

Uma lancha semelhante à usada na operação de 1978, e que segundo os dados que obtive na internet (barcoavista.blogspot.com) poderia ser a LDG-Bombarda, abatida em 1997 mas que regressada da Guiné em 75 terá sido usada em operações "logísticas". 

O meu "aspecto" na altura. Neste caso (Dezembro de 78), a comandar as sentinelas do "Conselho da Revolução", ao Restelo, hoje Ministério da Defesa, não muito longe do Museu de Arqueologia para onde seria requisitado, como arqueólogo, dois anos depois.

quarta-feira, 18 de março de 2015


As ruínas de Tróia nas origens da Arqueologia portuguesa

Tendo andado às voltas nos últimos dias com um texto para a próxima revista do Museu Nacional de Arqueologia ("O Arqueólogo Português") sobre António Cavaleiro Paixão, um arqueólogo recentemente desaparecido (1939-2014), foi inevitável recordar o seu envolvimento directo no estudo das ruínas de Tróia, a que esteve ligado como colaborador de Fernando de Almeida, professor catedrático de Faculdade de Letras de Lisboa e Director do Museu Nacional de Arqueologia nos anos 60 e 70. Cavaleiro Paixão, após a licenciatura, com uma tese sobre a necrópole proto-histórica de Alcácer do Sal, esteve algum tempo em Moçambique (1971-74) lecionando cadeiras de arqueologia e história antiga na então recém criada Universidade de Lourenço Marques. Regressado a Portugal em Setembro de 1974, num período certamente complicado da sua vida, é contratado por indicação de Fernando de Almeida, pela Lusotur, (entidade na altura proprietária do empreendimento turístico Torralta e, consequentemente das próprias ruínas romanas) para assegurar o estudo e a valorização destas, no contexto dos projectos turísticos para a zona. As condições sociais, económicas e políticas, porém, ainda eram pouco propícias e esse contrato teve curta duração, tendo António C.Paixão acabado por ser mais tarde integrado nos quadros da Direcção Geral do Património Cultural entretanto criada no contexto da Secretaria de Estado da Cultura, onde se encarregou regularmente do complexo "dossier" de Tróia.  Já depois de eu próprio ter protagonizado nos anos 80 mais uma tentativa frustrada de intervenção em Tróia, no âmbito das minhas funções directivas no IPPC, escrevi há 20 anos um texto sobre Tróia no Diário de Notícias (14 de Dezembro de 1995- não editado na colectânea de ACS e LR, A Linguagem das Coias, Europa-América, 1996) que felizmente se encontra muito desactualizado nas suas considerações finais mas que não resisto a reproduzir. Com efeito, nos últimos anos, graças a um projecto liderado pela arqueóloga Inês Vaz Pinto, contratada pela actual concessionária (Sonae Turismo), o sítio romano é já hoje um exemplo muito positivo de aposta num turismo cultural de qualidade conforme se pode comprovar "in loco", ou se tal não for possível "in situ" via INTERNET:


http://www.troiaresort.pt/pt/troia-ruinas/


António Cavaleiro Paixão, à direita ainda como estudante, acompanhando o conhecido pré-historiador francês Abée Glory, durante os trabalhos que este último efectuou na Gruta do Escoural em Janeiro de 1965.