sexta-feira, 8 de julho de 2016

O "primeiro" povoado de fossos...


Após a recuperação (?) do respectivo processo de classificação aberto há pelo menos duas décadas e que se perdera nos complexos meandros da inenarrável burocracia nacional, foi publicada há poucos dias a Portaria que vem reconhecer o "Povoado de fossos de Santa Vitória, Campo Maior" como Imóvel de Interesse Público. 

Neste caso e ao contrário do que é comum no nosso património arqueológico, a classificação não visa trazer para uma relativa alçada pública, um bem que apesar de privado, é afinal considerado uma "herança=património" do interesse geral. Com efeito, há muitos anos que este sítio, por iniciativa e alguma saudável teimosia da minha colega Ana Carvalho Dias (a arqueóloga responsável pela respectiva identificação e escavação nos anos 80) é propriedade do Estado, estando actualmente a respectiva gestão entregue à Direção Regional de Cultura do Alentejo. Infelizmente e apesar de alguns investimentos ali realizados vai para década e meia no âmbito do programa Itinerários Arqueológicos do Alentejo e do Algarve , a sua situação presente é praticamente de abandono face à exiguidade dos meios postos ao serviço da dita DRCA  para conservar meia centena de imóveis espalhados por todo o Alentejo.
(http://www.patrimoniocultural.pt/pt/patrimonio/itinerarios/alentejo-algarve/06/)
A última intervenção de conservação com algum significado ali realizada, data de há quatro anos e foi feita expressamente para a recepção a um congresso internacional sobre a temática dos "povoados de fossos" promovido pelo António Carlos Valera na Fundação Gulbenkian. O António Valera, o nosso maior especialista nesta temática, foi um dos jovens colaboradores que integrou nos anos oitenta a equipa da Ana Carvalho Dias que escavou então o Povoado de Santa Vitória. 
http://pedrastalhas.blogspot.pt/2015/09/perdigoes-as-origens-de-um-projecto-de.html)
Na altura, pelo menos no território português, este tipo de estruturas negativas era quase inédita o que trouxe grande relevância a este sítio, infelizmente nunca objecto de uma publicação monográfica, apesar de extensamente escavado. Posteriormente e em parte graças aos trabalhos arqueológicos do Alqueva, tanto na sua vertente "barragem" como posteriormente na vertente de "infra-estruturação hidráulica do Alentejo", este modelo de povoado, característico do final do Neolítico à Idade do Bronze, viria a revelar-se extremamente comum em todo o Sudoeste, assumindo  complexidades morfológicas muito diversas. Desde os pequenos povoados, como era o caso de Santa Vitória, protegidos por um ou dois fossos concêntricos, até aos gigantescos povoados, com dezenas de hectares (como o Porto Torrão, em Ferreira do Alentejo). Mas é nos Perdigões, em Reguengos, que António Valera procura as respostas para as muitas questões que estes sítios hoje nos colocam. Não só pela importância intrínseca e complexidade estrutural do sítio mas sobretudo pelo carácter sistemático e duradouro do projecto de investigação que ali dirige há quase duas décadas. Mas de facto, foi em Santa Vitória que tudo começou...








Visita de congressistas ao Povoado de Santa Vitória, em Novembro de 2012


O característico perfil do "Castro de Segóvgia", (sondado nos anos 70 por Teresa Gamito e José M. Arnaud) visto a partir de Santa Vitória




2 comentários:

  1. É caso para dizer parabéns e aleluia. Apenas mais um detalhe: eu nunca fiz parte da equipa de Santa Vitória. Mas gostaria de fazer quando lá se voltar.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Obrigado pela correção, António. Em todo o caso, pode dizer-se que pertences à "escola" de Santa Vitória, tal como o Miguel Lago e o João Albergaria, entre outros.

      Eliminar